Objetivo da cocriação é gerar valor por meio da interação, diz professor da Universidade de Michigan
Venkat Ramaswamy, da Universidade de Michigan, diz que empresas têm que ficar mais perto dos stakeholders, clientes e empregados
A cocriação sempre existiu. Compartilhar um problema com um amigo para que ambos encontrem uma solução conjunta parece um conceito óbvio, mas muitas empresas esquecem disso e deixam passar o que há de maior valor na interação humana: a troca de ideias. Essa é a mensagem-chave do indiano Venkat Ramaswamy, professor da Ross School of Business, da Universidade de Michigan (Estados Unidos).
Ele participou nesta quinta-feira (17/05) de um café da manhã na Amcham-São Paulo para falar sobre “o poder da cocriação na relação entre clientes e empresas”. Segundo o especialista, as companhias precisam intensificar a interação com sua cadeia de parceiros, clientes e colaboradores para criar valor aos seus negócios e ações.
“Temos que nos engajar para extrair o melhor do modo como interagimos, não importa o setor ou em que etapa da cadeia produtiva atuamos”, afirmou o especialista, que leciona nas áreas de marketing e sistemas de informação.
Isso significa ficar mais perto dos stakeholders, como fornecedores, investidores, clientes, colaboradores e outros parceiros. “A cocriação do trabalho só existe a partir das ideias e das experiências humanas”, defende Ramaswamy.
O especialista mostrou a uma plateia de executivos, empresários e gestores, entre eles Laecio Barreiros, diretor da L&Barreiros Controladoria, que o ponto fundamental do conceito é engajar, isto é, ir além do mero diálogo. “Só usar a palavra cocriação é um erro. Isso assusta. O melhor é mudar o modo como interagimos com esses parceiros estratégicos”, ensina.
Mais participação
Segundo Ramaswamy, as empresas estão acostumadas a se fechar em seus próprios ecossistemas. No passado, elas ditavam o que os clientes demandariam. Atualmente, o consumidor tem o poder de escolher o que quer e compartilhar seus gostos com outros consumidores. É aí que reside a mina de ouro para a inovação das empresas.
“O ideal é que haja um fluxo bidirecional de informações”,ressalta. “As pessoas querem participar e todos são capazes de contribuir com boas ideias de negócios. O primeiro passo é mudar nosso mindset para passar a ouvir mais. Basta que consigamos trazer mais gente para nossos debates.”
Embora alguns processos possam ser feitos simplesmente ao agregar mais participantes a um encontro de gestores e líderes da companhia com fornecedores, por exemplo, tentar preencher uma sala com clientes pode ser uma tarefa impossível em alguns casos. A internet é a saída, indica o professor.
Foi justamente a rede a responsável por acelerar o processo de participação e expandir a interatividade das empresas com seus stakeholders.“O poder da tecnologia é criar plataformas que facilitem a troca de ideias e a administração dos resultados que queremos obter”, destaca o acadêmico.
Corrida e café
Entre os cases apresentados no evento da Amcham, Ramaswamy trouxe o Nike+ (Nike Plus). A empresa ampliou o foco, que se centrava no desenvolvimento e na venda de tênis, e o estendeu para também interagir com os consumidores dos calçados da marca. Criou um sistema capaz de medir o desempenho de pessoas durante suas corridas e montou uma plataforma por meio da qual cada um poderia compartilhar seus resultados, traçar rotas e estabelecer metas.
“A Nike conseguiu criar uma plataforma completa de engajamento fundada na coleta de dados [das corridas] apresentados com uma ‘cara’ agradável [o site e os sensores de iPods], em um processo de incentivo com uma plataforma acessível a qualquer um”, analisou. “Ela não substituiu sua expertise, mas expandiu sua marca ao interagir com cada vez mais gente.”
No primeiro ano do lançamento da plataforma, a Nike teve 600 mil corredores cadastrados, em 160 países, entrando no site de três a quatro vezes por semana. O market-share da empresa no mercado de tênis de corrida dos EUA foi de 47% em 2006, para 57% em 2007.
A Starbucks também trouxe seus negócios para perto do cliente ao permitir, por meio de seu site, que cada um opinasse sobre tudo nas lojas de café – do cardápio ao atendimento, das opções de bebidas ao design das lojas. Desde 2009, foram recebidas mais de 28,7 mil sugestões de bebidas, 13,5 mil de alimentos, 8,7 mil de chás e 12,8 mil de locais para as lojas.
“A Starbucks acertou porque, no fim das contas, não vende café, mas a experiência”, aponta Ramaswamy. “As pessoas não vão só para beber café, vão para relaxar, conversar ou trabalhar.”
Um dos resultados para a rede de cafeterias foi a implantação de opções mais saudáveis, como frutas, na oferta de produtos de algumas unidades nos EUA. “O segredo foi engajar as pessoas e trazer de fora da empresa as inovações.”
Aplicando a participação
Além de trazer apresentar exemplos de cocriação de empresas como o banco Santander e a loja da Apple, Ramaswamy compartilhou quatro pilares que ajudam a balizar a cocriação: objetivo, processo, interface ou plataforma e pessoas – “o mais importante de tudo”.
Segundo ele, as experiências humanas podem criar valor ao estabelecer um diálogo claro e o acesso a dados de forma transparente a fim de incentivar a reflexão. “A plataforma certa é aquela que permite a participação.”
Ele encerrou mostrando como o Hospital Moinhos de Vento, do Rio Grande do Sul, enfrentou uma situação de alta rotatividade e baixo engajamento de funcionários – além de um fluxo de caixa negativo – aderindo à cocriação. A estratégia do grupo foi toda repensada a partir de debates e engajamento de enfermeiros, médicos, pacientes e familiares, organizações comerciais e operadores de planos de saúde. A estrutura organizacional foi reformada e passou a ouvir os stakeholders.
Por meio da cocriação, a empresa renovou suas práticas de governança, reformou sua oferta de produtos e serviços e reviu processos de internação dos pacientes, entre outras medidas. Até a reestruturação do ambiente foi definida para tirar a aparência de hospital e transformá-lo em algo próximo de um centro de convivência, com acomodações confortáveis e entretenimento aos familiares.
O Moinhos de Vento passou a perceber maior motivação de colaboradores, subiu a ocupação dos quartos e a imagem junto aos clientes ficou positiva. Como resultado, a receita saiu do terreno negativo, com altas dívidas, para um fluxo de caixa no azul. “A cocriação é capaz de transformar tudo”, concluiu Ramaswamy.
Por: Marcel Gugoni – Amcham SP.